segunda-feira, 9 de maio de 2016



A Função Social da Cidade e da Propriedade: Cidades inclusivas, participativas e socialmente justas

1. O Brasil urbano: A cidade que temos

De acordo com o último Censo, o Brasil tinha mais de 190 milhões de habitantes em 2010, 84 de cada 100 habitantes moravam em área urbana e, de acordo com os estudos da ONU, este percentual deve subir para 90% em 2020. Por isso, discutir a qualidade de vida nas cidades é tão importante.

Quando pensamos nas nossas cidades, no entanto, é preciso lembrar que, num país continental como o Brasil, com 5.570 municípios, muito diferentes entre si, variando sob diversos aspectos:

De cidades com pouca população (a menor tem 822 habitantes), à cidade de São Paulo, 6ª cidade mais populosa do mundo, com 11.895.893 habitantes, passando por cidades médias, que funcionam como polos regionais e atraem população em busca de oportunidades e de qualidade de vida;

De cidades isoladas, a cidades integradas, que fazem parte de grandes aglomerações urbanas e regiões metropolitanas;

De cidades com dinâmica populacional negativa a cidades que ainda crescem muito e muito rápido, como aquelas impactadas por grandes empreendimentos de infraestrutura e localizadas nas fronteiras agrícolas;

De cidades com economia de base agrícola a cidades industriais, ou cidades com economia centrada na prestação de serviços como é o caso de pequenas cidades turísticas;

De cidades que possuem inestimável patrimônio histórico a cidades cujo destaque é o patrimônio ambiental ou o patrimônio cultural;

Temos cidades litorâneas, amazônicas, com comunidades remanescentes de quilombos, com territórios indígenas, com áreas ocupadas por pobres, com áreas invadidas por ricos, e também temos cidades com tudo isso ao mesmo tempo.

Conheça a distribuição dos municípios por população e veja em que grupo o seu município está.


São cidades com características e muito diferentes, que devem ser reconhecidas em alguns casos como desafio, em outros, como traço de identidade que ajuda a entender potencialidades e caminhos para o desenvolvimento urbano.

Mas, apesar dessas diferenças, quando olhamos para a urbanização brasileira percebemos processos históricos comuns a praticamente todas as cidades:

Desigualdade socioespacial, com áreas bem servidas de equipamentos e infraestrutura urbana, espaços públicos, arborização, e áreas com muitas carências;

Dificuldade histórica de acesso à terra e à moradia pelas populações mais pobres, o que levou a um déficit habitacional expressivo (5.430 milhões de domicílios em 2012, segundo a Fundação João Pinheiro), à formação de assentamentos irregulares e à ocupação precária de espaços urbanos: cortiços, favelas, vilas, loteamentos clandestinos;

Problemas fundiários, passando por situações em que não se sabe de quem é a terra: grilagem, disputas judiciais que se arrastam por anos, ausência de registro no cartório de imóveis, por exemplo;

Ausência ou ineficiência dos sistemas de transporte e mobilidade urbana;

Deficiências nos serviços de água e principalmente esgoto, como também nos sistemas de coleta e tratamento de resíduos sólidos;

Ocupação de áreas ambientalmente frágeis e de áreas perigosas, resultando na formação de áreas de risco associadas a deslizamentos e enxurradas, essas muito em decorrência das deficiências dos sistemas de drenagem;

Dificuldade de gestão do território pelos municípios, em decorrência de diversas deficiências: ausência de leis e normas claras de ordenamento territorial, uso e ocupação do solo, estrutura administrativa precária, insuficiência de recursos financeiros, inclusive devido a dificuldades de arrecadação de tributos;

Dificuldade de organizar a cidade a partir do interesse coletivo por uma insuficiência de espaços e de cultura de participação e por uma gestão orientada por interesses de alguns segmentos da sociedade que se sobrepõem em relação aos interesses da coletividade. Com isso prevalece a privatização das cidades pelo mercado, intensificando as desigualdades socioespaciais;

Apropriação privada e indevida de espaços públicos como praias e vias públicas por determinados segmentos da sociedade.

Isso ocorre porque as cidades são espaços atravessados por uma multiplicidade de agentes, com uma diversidade de interesses que intervém na produção das cidades. Neste sentido, a configuração socioespacial das cidades também expressa relações de poder e dominação. Para alguns agentes, as cidades são como mercadoria, com oportunidades de negócios e de lucros. Para outros agentes, as cidades são lugares para se viver, trabalhar, ser feliz. Estas duas visões, da cidade-mercado e da cidade-direitos, estão presentes nos conflitos que ocorrem nas nossas cidades.

O processo de produção do espaço urbano caracterizado acima, demonstra a necessidade de avançar na efetivação do cumprimento da função social da cidade e da propriedade.

2. A função social da cidade e da propriedade

A função social da cidade e da propriedade foi escolhida como eixo condutor deste ciclo de Conferências das Cidades porque ela é o ponto central para o tema do desenvolvimento urbano orientado para a inclusão e a justiça social.

Discutir a função social implica no desafio de considerar o interesse social e o interesse individual no espaço urbano em benefício do conjunto da população.

Função social da cidade

A função social da cidade está prevista no Art. 182 da Constituição Federal e sua compreensão está ligada a algumas ideias básicas:

a cidade é um bem comum que pertence ao conjunto de sua população;

a cidade é produto do esforço de todas e todos e não de só de alguns grupos;

a cidade deve oferecer qualidade de vida de forma equilibrada a todas e todos;

a cidade deve oferecer oportunidade aos mais pobres, em variadas dimensões: cultura, lazer, saúde, educação, transporte, moradia, infraestrutura, entre outros.

Pode-se dizer que a cidade cumpre sua função social quando o acesso a bens, serviços, equipamentos, espaços públicos, sistemas de transporte e mobilidade, saneamento básico, habitação, se dá de forma relativamente equânime pelo conjunto da população, de forma justa e democrática. Neste sentido, pode-se dizer que a função social da cidade envolve o direito a ter uma vida individual e coletiva digna e prazerosa, e a participar das decisões relativas à cidade, inclusive por meio da criação de novos direitos. A cidade, por ser um bem comum, deve ser orientada para cumprir essa função social.

Função social da propriedade

De acordo com a Constituição (art. 182, parágrafo 2º), “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor”.

A função social é uma medida de equilíbrio ao direito de propriedade, uma espécie de balança usada para impedir que o exercício do direito de propriedade em caráter privado prejudique um interesse maior da coletividade, de ter acesso ao bem comum da cidade.

A Constituição Federal, ao mesmo tempo em que garante o direito de propriedade, em seu artigo 5º, diz que ela deve atender a sua função social.

Contudo, apesar de constar na Constituição, esse conceito está longe de ser concretizado, enfrentando resistências, inclusive, nos poderes judiciário, legislativo e executivo para sua efetivação.

A função social da cidade deve garantir a todas e todos o usufruto pleno de seus recursos. Desta maneira, não compreende a visão das cidades como meras porções territoriais, mas como locais de realização de direitos. Moradia, trabalho, mobilidade, saneamento e lazer devem beneficiar a todas e a todos os seus habitantes, e não estarem a serviço da acumulação do capital.

Para cumprir a função social da cidade é preciso que seus componentes, em especial a propriedade urbana, seja ela pública ou privada, também cumpram com a sua função social. Isto significa que o direito a propriedade urbana deve estar submetido à função social da propriedade.

3. O Plano Diretor

O Plano Diretor é o principal instrumento de política urbana, que tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

É no Plano Diretor que os moradores definem o que querem para a sua cidade e quais são as regras que devem ser seguidas para que a propriedade urbana cumpra sua função social.

O Plano Diretor pode definir, por exemplo, que um imóvel vazio ou subutilizado não está cumprindo a sua função social e associar obrigações e penalidades a esse proprietário de imóvel. Isso tudo deve ser pactuado no processo de elaboração do Plano Diretor e contribuir para a realização da função social da cidade.

A função social da cidade e da propriedade foi demanda da sociedade civil, que resultou na inclusão do capítulo “Da Política Urbana” na Constituição de 1988. Há 15 anos foi aprovado o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que regulamenta esses artigos constitucionais, estabelecendo normas de ordem pública e de interesse social para regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo e do bem-estar dos cidadãos em todo o território nacional.

É importante que todos os municípios elaborem seus planos diretores, para planejar seu território e estabelecer as ferramentas de gestão municipal necessárias para um desenvolvimento urbano adequado. Também é preciso lembrar que, pela Constituição Federal, somente o Plano Diretor pode definir se uma propriedade urbana está cumprindo ou não sua função social. Esse é o mecanismo existente hoje na legislação para propiciar que o interesse da coletividade se sobreponha ao interesse individual.

Apesar de grande parte dos municípios enquadrados nos critérios de obrigatoriedade estabelecidos pela Constituição e pelo Estatuto da Cidade terem elaborado e aprovado o Plano Diretor, isso não tem garantido cidades participativas, inclusivas e socialmente justas. O cumprimento da função social da cidade e da propriedade, uma vez que não tem havido uma efetiva aplicação dos instrumentos voltados a esses objetivos, não tem se consolidado nos municípios.

O processo verdadeiramente participativo na elaboração dos Planos Diretores, deve ter sequência na sua implementação, para transformar o cenário atual, buscando garantir a função social da cidade e da propriedade.

O ciclo da 6ª Conferência coincide com o prazo de revisão dos Planos Diretores em muitos municípios. É o momento certo de olharmos para a cidade que temos, de planejarmos a cidade que queremos, de pensar na função social da cidade, de regular a função social da propriedade, de forma a alcançar cidades inclusivas, participativas e socialmente justas.

4. A cidade que queremos

É hora de cada município, de cada morador olhar para o seu território e pensar sobre os diferentes agentes presentes na cidade, seus interesses, suas identidades e seus conflitos, e neste contexto, o que precisa ser feito para promover a função social da cidade, sobre quais os desafios a serem superados para alcançar as cidades que queremos e podemos construir, cada uma da sua forma, cada uma com seu próprio projeto de futuro, achando soluções viáveis, pactuadas e compatíveis com suas dinâmicas sociais, econômicas e políticas.

O lema “Cidades inclusivas, participativas e socialmente justas” traz o sentido da cidade como um bem comum, de toda a população. Traz a ideia de cidades mais equânimes, democráticas, com menos desigualdades de acesso aos bens e serviços públicos, com menos discriminação, com mais qualidade de vida para todas e todos. Pensar o bem comum no contexto urbano significa dar às pessoas – sem exceção – a possibilidade de exercer de forma plena o Direito à Cidade: o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho, a espaços públicos de qualidade, a equipamentos sociais, à cultura, ao lazer, ao meio ambiente e participação nos destinos da cidade.

É preciso que cada um de nós possa sentir a cidade como sua casa coletiva, possa andar nas ruas sem medo, em calçadas acessíveis, possa andar a pé ou de bicicleta, se assim desejar. Possa ter e usufruir de espaços públicos de qualidade. Possa ter acesso a teatro, cinema, praças. Possa desfrutar da sombra de uma árvore num dia de sol em plena via pública. Possa se abrigar da chuva quando precisar, enquanto espera o ônibus passar sem demora. Possa ter opções de transporte diferentes. Possa gastar menos tempo de deslocamento entre a casa, a escola, o trabalho, o lazer e a cultura. Possa ter uma moradia digna, com título registrado no cartório. Possa ter água potável, coleta e tratamento de esgoto, saúde.

A cidade é o lugar de viver da grande maioria dos habitantes do planeta. Precisamos gostar e cuidar desses lugares. Precisamos de cidades generosas com os idosos, com a pessoa com deficiência, com as mulheres, com as crianças, com os jovens, com os negros e índios, com os trabalhadores e trabalhadoras. Que não discriminem origem, cor, raça. Precisamos de cidades que sejam vivas de dia e de noite. Precisamos dizer: “essa cidade também é minha e eu quero participar das decisões sobre o seu futuro”.

Um proprietário de terra não pode ter mais direitos sobre a cidade que os outros moradores, porque a cidade é feita por todos e deve ser usufruída por todas e todos.

Para termos cidades inclusivas, participativas e socialmente justas, é preciso:

fomentar a democracia participativa através dos instrumentos legais;

melhorar a distribuição das pessoas e atividades em espaços seguros, aproximando os locais de moradia dos locais de trabalho, lazer e dos equipamentos de saúde, educação;

produzir moradias bem localizadas, especialmente para a população mais pobre, e melhorar as condições de vida nos assentamentos precários e irregulares;

oferecer um sistema de espaços públicos de qualidade, com rotas acessíveis a pessoas com deficiência, praças e áreas verdes;

melhorar o aproveitamento de áreas já consolidadas, dando uso aos imóveis vazios, especialmente para moradia e equipamentos comunitários;

melhorar a condição dos bairros periféricos, levando até eles equipamentos comunitários, infraestrutura, transporte, cultura, lazer;

melhorar os sistemas de transporte público;

ampliar e consolidar o sistema de participação com controle social;

tornar as ruas, praças, escolas, parques, jardins, postos de saúde, museus, praias, rios e montanhas, espaços para as pessoas e não para a especulação.

Neste ciclo de conferências das cidades, cada cidadão, cada cidade, deve refletir sobre sua identidade, sobre suas características, sobre seus conflitos e identidades, sobre seus desafios e sobre suas potencialidades, para desenhar a partir daí seus caminhos para o desenvolvimento urbano inclusivo e socialmente justo.


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Comissão de Comunicação, Marketing e Redação Final

Oeiras, Eterlene, Solange, Elizangela, Osvaldino.

quarta-feira, 4 de maio de 2016


PCdoB Ananindeua, convida a todas(os) para a 2ª Pré conferência das Cidades em Anannindeua.
 Será no Bairro do ICUÍ.